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A história de sobrevivência de uma escritora
07/07/2017

‘Da Escuridão para a Liberdade: Uma História de Sobrevivência’.  Depois de assistir a palestra da escritora Rô Mierling fica claro o nome que ela foi intitulada. A autora de livros como “Contos e Crônicas do Absurdo” e “Diário de uma Escrava” foi a convidada para as comemorações de 4 anos do Pegaí Leitura Grátis em Ponta Grossa. “Escolhemos o nome da Rô, pois a historia dela deixa muito claro que ações como a do Pegaí, que incentivam e facilitam o acesso à leitura, valem a pena”, explicou o coordenador da proposta que aproxima livros sem leitores de leitores sem livros, Idomar Augusto Cerutti.

Em sua palestra, Rô contou mesmo uma história de sobrevivência. Sobrevivência essa que só foi possível graças aos seus livros e a paixão que adquiriu pela literatura. Ainda menina – uma criança estranha como ela mesma conta – a escritora adquiriu o hábito da leitura.

Mas não foi como nas ‘famílias normais’ em que os pais incentivam os filhos ao hábito. Ela encontrou nos livros o seu refúgio, o seu “universo paralelo”. “A primeira lembrança que eu tenho é aos oito anos. E o que eu lembro é uma solidão cruel e profunda. Uma escuridão”, recorda, destacando que este não é um sentimento para ser ligado a uma criança, mas é o que ela sentia.

Nascida em uma família que seguia um sistema religioso extremamente rígido, Rô não aprendeu a sociabilizar. “Não tinha interação com nada e com ninguém. Era uma solidão social, uma tortura psicológica”, explica, contando que em sua casa não existia o diálogo, e fora de casa ela não podia ir, somente para ir à escola, onde, logicamente, a ‘menina estranha’ sofria bullyng.

A primeira tentativa de suicídio ocorreu aos 10 anos. Mas foi pouco tempo depois disso que Rô conheceu a sua primeira amiga. Foi a professora de português de sua escola que a apresentou. “A professora deu para todos os alunos um folhetim de uma menina que tinha sido abandonada pelos pais. E no final ela vencia”, recorda. “Eu tinha uma amiga. Eu não podia ir até a casa dela, mas ela podia vir na minha casa”, dispara, lembrando de sua ‘psicose’.

Rô tinha descoberto a leitura. Começou com os folhetins, foi para os gibis até que chegou aos livros. Foi em meio a eles que a menina estranha, que passou a adolescente estranha, sobreviveu até os seus 18 anos. Moradora do interior, Rosana foi junto com sua mãe visitar parentes no Rio de Janeiro. Somente sua mãe retornou.

Meses antes a futura escritora estava guardando o dinheiro que compraria sua liberdade no Rio. Antes de sua partida, foi até a biblioteca na qual costumava emprestar os livros para garantir a leitura da ‘viagem’. 35 livros, os mais finos que cabiam em uma mochila junto com suas poucas peças de roupa, o acompanharam desde então.

Dona de sua ‘liberdade’, mas sem saber viver… “Fiquei em uma situação deplorável”, conta. Aí que veio a segunda tentativa de suicídio. A vida louca adotada por Rô teve um resultado dramático. Um acidente terrível de moto a deixou em coma por um período de três meses.

Antes disso, um emprego de subsistência, um quarto de pensionato para dormir e seus 35 livros para lhe fazer companhia. Depois disso, só restaram os livros. Em um período as ruas foram a sua casa. Fome? Rô sentiu muita. “A fome dói, e dói muito. Mas não é só da dor intensa na barriga que recordo. É a dor social que ela acarreta. A dor de ver que enquanto eu passava fome havia centenas de pessoas em restaurantes, e de jovens jogando suas caixas ainda cheias de pizza”, relata.

Mesmo com a realidade das ruas, Rô e seus livros não se deixaram afundar mais. E foi por meio deles que ela começou um novo rumo para a sua vida, a real liberdade. Sua refeição ela trocava por leitura para uma senhora que já não conseguia ler as letras miúdas dos livros. E a primeira oportunidade foi logo agarrada. “Prometi pra mim mesma que nunca mais iria passar por nenhum tipo de necessidade”, disse.

Chegando à escritora

É claro que toda a intimidade de Rô com os livros contribuíram para o futuro que a esperava. Ela iniciou auxiliando a tese de mestrado de um professor. Daí não parou mais de escrever. Assim surgiu a Rô Mierling, aquela da biografia dos seus seis livros. Seis assinados por ela. Mas dezenas deles como ghost writter. Já passam de cem. Será que os livros valem a pena?